É preciso fazer uma UPP ao contrário das encostas do Rio
Rio - Quem frequenta a Região Serrana desde sempre — como eu, que passei boa parte das férias da minha infância na cidade de Nova Friburgo, então posso falar — sabe que havia algo de podre no ar. Simplesmente porque as colinas verdes, cheias de árvores e flores frondosas, que davam aquele arzinho de ‘ufa, estou no campo’, desapareceram da paisagem, dando lugar a uma floresta de casas, prédios, barracos e mansões — Rio de Janeiro, enfim.
As encostas sempre foram frágeis, até mesmo com as árvores. Lembro que, quando chovia forte, quase não podíamos sair de casa, porque volta e meia rolava uma pedra ou se desmanchava uma terra, que impedia a passagem pela estrada. Essas miniavalanches eram sempre recebidas com muita festa, pois significavam que não poderíamos voltar ao Rio até que os caminhos fossem desbloqueados, portanto não poderíamos ir para a escola na segunda-feira.
O imenso campo onde colhíamos morangos em Friburgo hoje é um vistoso condomínio de mansões, erguido sobre uma propriedade cuja terra era frágil como farelo de pão. Teresópolis, então, nem se fala; antigo reduto chique das famílias tradicionais cariocas, na última vez em que estive lá, quase morri de depressão com o estado lamentável em que os sucessivos governos irresponsáveis deixaram o município. Terê, nossa amada Terê, virou um favelão; seu centrinho hoje é uma avenida larga e cosmopolita, com hipermercados, shoppings, comércio feio e gente saindo pelo ladrão.
E Petrópolis, então? Se D. Pedro II ressuscitasse hoje, tomaria medidas enérgicas para resgatar a tão amada cidade que carrega seu nome. Os ricos, claro, saíram correndo do centro e se instalaram nos arredores — Nogueira, Itaipava, Correas e Araras — e lá construíram mansões espetaculares cujas proporções desafiam qualquer noção elementar de engenharia. Uma delas é conhecida das revistas de decoração: foi erguida no sopé da montanha apoiada apenas num pilar, em linhas secas e aquele formato horroroso de caixote de concreto, como adoram os arquitetos moderninhos.
Aquela casa tradicional, sólida, com cortinas de tecido, chão de madeira que a empregada encera toda semana, rodeada por paredões de verde e hortênsias praticamente não existe mais. Deu lugar a condomínios com churrasqueira, centro aquático, prédios e estradas perigosas feitas nas coxas. E quase não se veem mais cavalos passando por elas; carros possantes e jipes do tamanho das ruas sobem e descem numa frequência assombrosa. Que saudade do tempo em que tínhamos que pegar uma carroça para ir até a beira da estrada comprar doces; e isso não aconteceu na Idade Média, é bom lembrar, mas nos anos 80.
Adorador do frio e do escapismo bucólico da Região Serrana, chorei profundamente quando as primeiras notícias da tragédia começaram a desabar em nossas cabeças semana passada. Trago na alma um amor profundo pela gente daquelas regiões, pessoas simples, desarmadas, apaixonadas por suas cidades. Penso nas famílias desabrigadas e naquelas destroçadas pela perda dos entes queridos. Penso também em Angra, a cidade desabada do ano passado, outra tragédia mais do que anunciada. Qual será a próxima vítima do descaso histórico dos governos?
É preciso fazer uma UPP ao contrário das encostas do Rio, uma desocupação imediata das áreas de risco. Trata-se de uma medida impopular e espantadora de votos, nós sabemos, mas ela não é nada perto dos efeitos que uma calamidade como a que aconteceu na Serra pode gerar. A nós resta mostrar solidariedade e enviar mantimentos, roupas, braços e dinheiro às vítimas e seus familiares. E cobrar uma nova postura dos governantes — quem colocou bandido feroz para correr feito ovelhinha no Alemão tem cacife e nosso total apoio para agir de verdade.
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